Em dezembro de 2006 publiquei, pela editora NOVA FRONTEIRA, o romance A INEVITÁVEL HISTÓRIA DE LETÍCIA DINIZ. Em 252 páginas, e através de mais de 40 personagens, contei a trajetória fictícia de uma travesti incrivelmente linda e feminina, desde sua infância conturbada em Porto Velho, Rondônia, até a transformação de seu corpo através de hormônios, a iniciação no submundo da prostituição no Rio de Janeiro, a conquista da fortuna na Europa e o seu final trágico aos meros 23 anos de idade.
Para escrever este livro passei mais de 1 ano entrevistando travestis na região da Glória e da Lapa, no Rio de Janeiro, e logo me dei conta de que algumas questões eram incrivelmente recorrentes: infâncias marcadas pela incompreensão familiar, o obsessivo processo de transformação do corpo como significador da busca pela identidade, humilhações e violências sofridas na escola, a dificuldade quase intransponível de ingressar no mercado formal de trabalho, a prostituição como destino quase inevitável, o sonho de fazer fortuna na Europa e a extrema solidão levando-as à idéia recorrente do suicídio.
Optei por sintetizar na personagem título, Letícia Diniz, todas essas questões-chaves, de forma que, ao empatizar com ela, os leitores pudessem não só tomar consciência dessa realidade social terrível, mas também passar por uma experiência afetiva e humanizadora, que abrisse caminho para uma radical mudança de perspectiva.
Não tenho dúvidas em afirmar que as travestis e transexuais compõem o segmento mais discriminado da nossa sociedade. Além de ter conhecido de perto sua realidade, senti na pele toda a intensidade dessa aversão nos quase 2 anos que passei buscando patrocínio para a adaptação teatral do livro. Nenhuma empresa – estatal ou privada – quis patrocinar esta peça. A descrição de sua temática colocava, invariavelmente, um fim imediato nas negociações. Num mundo que caminha cada vez mais para a aceitação das diferenças e a valorização da diversidade, torço para que o sucesso deste espetáculo – feito na marra e na base de apoios – possa sinalizar para as empresas brasileiras que já é hora de rever suas políticas culturais.
Como artista, acredito que determinados projetos trazem a marca de uma missão, e concretizar este tornou-se uma questão de honra. E, como escritor, acredito também que a melhor maneira de filosofar, protestar politicamente ou denunciar uma cruel realidade social é através da arte, de uma boa história, da magia da ficção, de personagens que nos comovam por sua humanidade. Apresento-lhes um mundo desconhecido, senhoras e senhores. Apresento-lhes Letícia Diniz.
SOBRE A PEÇA
O desafio de adaptar um romance com mais de 40 personagens para os palcos fez com que eu optasse por criar um episódio absolutamente inédito da trajetória de Letícia Diniz, não retratado no livro. Dessa forma, o espetáculo teatral deixa de ser mera transposição dramática do romance que lhe deu origem e se transforma em obra independente, que aprofunda e amplia a história de uma personagem que já tinha vida própria na literatura.
A escolha de uma atriz belíssima e de traços delicados – Rosanne Mulholland – foi uma forma de romper radicalmente com a cultura da caricatura que sempre acompanhou a representação de personagens transgêneros no teatro, no cinema e na televisão. Em minha pesquisa para escrever o livro pude constatar o grau de excelência que as travestis atingem hoje na transformação de seus corpos, tornando-as, muitas vezes, indistinguíveis de mulheres biológicas. Bianca Freire – que prestou preciosa consultoria para a atriz – é um exemplo contundente de que travestis com o perfil suave de Rosanne Mulholland existem, de fato, na vida real.
Para construírem seus personagens, Rosanne Mulholland e Saulo Rodrigues fizeram inúmeras incursões pelos pontos de prostituição da Glória e da Lapa. O laboratório ajudou a atriz a encontrar a dose certa de afetação vocal e corporal que a diferenciasse de uma mulher, mas não caísse na caricatura. Os detalhes e as etapas desse processo podem ser conhecidos através do blog do espetáculo: www.leticiadiniz-teatro.blogspot.com.
SERVIÇO
A INEVITÁVEL HISTÓRIA DE LETÍCIA DINIZ
Autor: MARCELO PEDREIRA
Diretor: MARCELO PEDREIRA
Elenco: ROSANNE MULHOLLAND E SAULO RODRIGUES
Temporada: de 06 a 28 de novembro, de sexta a domingo, 21h
Classificação indicativa: 14 anos
Ingressos: R$20,00 (inteira)
Tempo do espetáculo: 80 minutos